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Os Akroá-Gamella resistem e lutam por reconhecimento

Desde 2014, os Gamella aguardam demarcação de suas terras e sofrem ataques violentos de fazendeiros da região, irritados pelo processo de retomada deste povo


Reportagem de Deborah Rodrigues*


A imagem mostra menina Akroa Gamella na retomada Cajueiro Pirai no Maranhão 2018. Foto: Ana Mendes

A vida segue um pouco mais calma, passados cinco anos após indígenas do povo Akroá-Gamella terem sido atacados com golpes de facão por fazendeiros que os queriam longe de suas terras. Na ocasião, dois indígenas tiveram as mãos quase arrancadas com golpe de facão. O ataque segue sem punição.


O massacre ocorrido em 30 de abril de 2017, no qual 22 pessoas saíram feridas, foi uma reação de fazendeiros da região diante do movimento de retomada dos Akroá-Gamella às terras que historicamente ocupavam. O território tradicional dos indígenas Akroá-Gamella está localizado em uma área que envolve os municípios de Viana, Penalva e Matinha. Em 2014 eles iniciam o processo para a retomada do seu território ancestral, perdido ao longo do tempo.


“Atualmente, a gente tem ficado mais no território, em busca da própria sobrevivência. Em tempo assim [no inverno], as pessoas aqui se acostumam a fazer o trabalho da roça e muitos são agricultores e tem a produção de farinha, o setor que mais se produz aqui é a farinha. E como o inverno está sendo bastante pesado, as pessoas estão aproveitando essa produção para estocar para servir de alimento por mais uns dias”, explica Caw Crê Akroá Gamella, líder indígena e diretor da Escola Municipal Olegário Teófilo Meireles, localizada na Aldeia Taquaritiua, em Viana. “Na cidade tem sido um pouco mais normal, tem tido menos ataques, menos conversa pela rua. Então, isso também tem facilitado as nossas idas e vindas nas cidades em busca de alguns alimentos que a gente não tem aqui no território”, diz.


Território desde a colônia

A área reivindicada corresponde a um território de 14 mil hectares, doada a eles pela Coroa Real Portuguesa em 1784, conforme documentos disponibilizados no acervo da Biblioteca Digital do Luso-Brasileira. Atualmente, eles ocupam uma área de apenas 552 hectares do seu território original.


Segundo o pesquisador Horácio Antunes, professor da Universidade Federal do Maranhão, os indígenas vêm sofrendo processos de perda territorial, incluindo tentativas sistemáticas de extinção desse povo e da eliminação da sua cultura.


“Nos últimos anos, temos observado o povo Gamella fazer a retoma de territórios perdidos nesses processos sistemáticos de apropriação de suas terras. E isso não acontece sem que haja conflito. Hoje eles estão em processo de, além da retomada do seu território, da sua língua originária, dos seus costumes e valores, eles estão buscando ser reconhecidos pelo por parte do Estado brasileiro”, explica.


Ainda de acordo com o pesquisador, houve uma tentativa sistemática por parte dos poderes estatais e de grupos econômicos locais de darem esse povo como extinto. “Eles passaram por um longo período se escondendo enquanto indígena na sociedade local para evitar o extermínio, como forma de autoproteção. E, no presente momento, eles buscam recuperar a sua identidade, suas terras, e refazer seu território em processo muito interessante que eles chamam de ‘Cura da Terra’”, completa.


Para o Caw Crê Akroá Gamella, a retomada de territórios faz parte desse processo de cura, em uma relação respeitosa com a Natureza, no sentido de recuperar suas dimensões sagradas.


“Estamos encarando essa questão da luta como uma defesa também, precisamos permanecer vivos com a nossa cultura, para resguardar aquilo que temos de melhor, a terra, as florestas, os animais. Nosso olhar é totalmente diferente. Olhamos a Natureza como um bem precioso, que deve ser preservado, pois sabemos que a futura geração dependerá da conservação do Meio Ambiente, dependerá do solo sagrado, daquilo que a gente tem e daquilo que a gente conserva para ter o suficiente para viver”, enfatiza o líder.

Processo de demarcação segue paralisado

A Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão responsável pela promoção e proteção aos direitos dos povos indígenas no Brasil tem, dentre suas atribuições, a demarcação do território indígena, o que pode resolver a questão. No entanto, a instituição tem alegado falta de recursos para a realização dos estudos antropológicos sobre o povo Gamella. O processo de demarcação foi iniciado em 2014 e segue estagnado.


Em 2020, a Funai publicou a Instrução Normativa (IN) 09/2020, onde liberou a certificação de fazendas sobre terras indígenas não homologadas, incentivando a especulação imobiliária, as invasões e a grilagem nestes territórios, incluindo nos territórios reivindicados pelos Akroá-Gamella, que seguem aguardando a atuação da Funai para a demarcação de suas terras.


A Instrução Normativa só deixou de valer no Maranhão em fevereiro deste ano, após decisão judicial.


Enquanto a demarcação não acontece, eles vivem nas áreas que foram retomadas, com a agricultura de subsistência. Vivendo um dia de cada vez.


Episódios de ameaças

O Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil registra dois grandes ataques aos índios Akroá-Gamella desde o início do processo de retomada de terras. O primeiro em 2 de dezembro de 2015 e o segundo em 30 de abril de 2017.


O primeiro é um registro de atentado ocorrido no último mês de 2015, quando homens em uma caminhonete dispararam contra o acampamento da retomada. Por sorte, ninguém foi atingido. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), esse primeiro atentado, mesmo que sem vítimas, deixou entre os indígenas um clima de insegurança, com um vislumbre do cenário que estariam enfrentando.


O segundo ataque foi infinitamente mais violento e contado no início desta reportagem. Após o episódio de tiroteio e tentativa de amputação, ao menos mais dois ataques foram vivenciados pelos Akroá-Gamella.


Cercas dentro da TI

Em julho de 2021, uma família de posseiros instalou cercas no interior da TI Taquaritiua, em terreno na entrada da Aldeia Centro do Antero, próxima ao povoado Santeiro. Os indígenas protestaram cantando ao lado da área, enquanto os invasores – integrantes do sindicato dos criadores de gado da região – continuavam com o cercamento. Segundo relatos das lideranças registrados pelo CIMI, policiais apareceram no local, mas não falaram nada com os indígenas. No final da tarde do mesmo dia, a instalação das cercas foi interrompida, após entidades em defesa dos direitos indígenas denunciarem a construção ao Ministério Público Federal (MPF), à Polícia Federal, à Defensoria Pública da União (DPU), à Funai, à Secretaria de Direitos Humanos do Maranhão e ao Programa Estadual de Proteção de Defensores de Direitos Humanos do Maranhão.


Em novembro, um novo episódio de conflito ocorreu, quando funcionários de uma empresa de energia elétrica invadiram o território indígena acompanhados de seguranças para instalar, sem autorização, torres e linhões de transmissão dentro da TI Taquaritiua. De acordo com o CIMI, apareceram mais ou menos 60 homens trabalhando pela empresa de energia. Logo depois, policiais militares prenderam lideranças da Aldeia Cajueiro, na TI Taquaritiua. Celulares e rádios foram apreendidos, mesmo os policiais terem sido avisados que a empresa não possuía autorização para fazer a implantação dos postes e do linhão no território.


Indígenas reunidos após o ataque. Foto: Ana Mendes

Não temos sossego

“Temos esse sentimento de que a luta faz parte das nossas vidas. No nosso histórico de existência do povo Akroá Gamella, do povo indígena em si, nunca tivemos sossego. A partir do momento que a colonização chegou no Brasil, o indígena não soube mais o que é sossego”, explica o líder indígena Caw Crê Akroá Gamella, sobre o histórico de luta de seu povo. “De qualquer forma, ele [o indígena] foi tocado, ele foi tentar levar para o sacrifício e a gente compreende que não só o fato de lutar e de resistir vão tornar esses direitos garantidos, esses direitos efetivados. De todas as formas, se lutando é difícil, imagina de braços cruzados? sem fazer essa luta, sem lutar, sem dizer que está errado, ter em mente tudo aquilo que está sendo negado. Tudo aquilo que a gente depende, que a gente precisa que o governo ofereça, que o governo execute como políticas públicas, como políticas de direito e mesmo a gente sabendo dessa dificuldade, a gente sabe que é preciso lutar. Se não lutar, elas não chegam de graça, então a gente tem que lutar todos os dias pela nossa saúde específica que é saúde indígena, pela educação escolar indígena, um direito nosso que está garantido na Constituição. Pelo direito assistencial, pelo direito da aposentadoria, pelo direito da terra que é o espaço mais sagrado, pelo direito de voltar aos nossos modos culturais e não nos resta outra alternativa que não seja fazer a luta para que esses direitos sejam efetivados”, diz.


*Jornalista e cientista social em formação pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com interesse no terceiro setor e direitos humanos.

Matéria publicada primeiramente no site https://oeco.org.br/


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