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Rede Mandioca: agricultura familiar ganha força e cresce Maranhão adentro

Encontro realizado no último dia 28 de maio em São Luís reuniu representantes de grupos e comunidades filiados, avaliou o período de pandemia e focou na expansão da articulação




Reportagem de Zema Ribeiro


Representantes de 26 comunidades e grupos produtivos filiados à Rede Mandioca reuniram-se no último dia 28 de maio na Casa das Irmãs da Misericórdia (Rua Boa Esperança, 142, Cantinho do Céu), em São Luís. Os grupos são beneficiários do Fundo de Crédito Rotativo Solidário da Rede Mandioca, articulação assessorada pela Cáritas Brasileira Regional Maranhão, com apoio da Fundação Interamericana (IAF, na sigla em inglês). A atividade contou também com a presença do professor Marcelo Carneiro, do departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e de estudantes de uma pesquisa interinstitucional coordenada por ele em parceria com a Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) junto a agricultores familiares.

Na análise de conjuntura que realizou durante o encontro, Carneiro destacou uma série de retrocessos a partir da deposição de Dilma Rousseff em 2016 e comparou o quadro atual com a luta camponesa pela terra na década de 1980, um dos períodos mais sangrentos no campo brasileiro, embora o Maranhão seja o estado com o maior número de assentamentos da reforma agrária; por outro lado, o Brasil voltou ao mapa da fome.


“Existe uma grande lacuna de estudos sobre a cultura da mandioca e uma visão muito preconceituosa, como se a agricultura familiar maranhense plantasse mandioca como há 40 anos. A pesquisa nasce dessa preocupação, de a gente ter uma visão mais atualizada sobre as formas como os agricultores têm trabalhado, não só a produção, mas o beneficiamento e a comercialização. O segundo aspecto é que o Maranhão é um estado muito diverso e a mandioca é a atividade por excelência da agricultura camponesa. Mas ela se articula de forma diferente no sul do Maranhão, na Baixada, nos Lençóis, nos Cocais, e como a Rede Mandioca tem essa capilaridade, a gente entrou em contato com a coordenação da Rede e da Cáritas, e apresentamos para um edital da Fapema [a Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão]. É uma pesquisa interinstitucional, UEMA, UFMA São Luís e UFMA Bacabal. A gente tinha a previsão de iniciar antes da pandemia. Quando a pandemia aconteceu, como essa pesquisa implica o deslocamento para cerca de 25 municípios em todo o estado, com entrevistas, aplicação de questionários, fotografias, ela não podia ser feita no contexto da pandemia. A Fapema foi sensível e aprovou a prorrogação, então estamos retomando agora os contatos para desenvolver essa pesquisa. A gente fez uma primeira versão do questionário com a coordenação da Rede Mandioca. A gente perguntou: o que vocês querem saber sobre os produtores? Porque tem uma dimensão da pesquisa do ponto de vista mais sociológico, mas a coordenação colocou uma série de questões importantes do ponto de vista de conhecer os diferentes grupos, conhecer os obstáculos, os desafios que eles enfrentam; com a pandemia, nós vamos voltar para rediscutir esse questionário; talvez surja aí um capítulo referente a impactos da covid”, explicou Marcelo Carneiro.


“Agora mesmo está se discutindo a questão dos fundos rotativos, a coordenação da Rede vai ter um conjunto de informações sobre os grupos que ela apoia, que inclusive pode ajudar na negociação no desenvolvimento de políticas públicas. Por exemplo: o Governo do Estado abriu mais de 100 restaurantes populares, mas esses restaurantes populares adquirem produtos da agricultura familiar? Um dado do censo agropecuário de 2017 que chamou muito a atenção é o seguinte: a agricultura familiar aumentou muito o gasto dela em relação, por exemplo, a energia elétrica. Se a gente notar que isso é um custo grande para os produtores, pode se pensar em algum tipo de política pública que ajude nesse custo. Nós queremos saber também sobre variedades de mandioca, irrigação, que também implica num custo com eletricidade. Enfim, tem uma série de informações, que uma vez a gente de posse delas, pode municiar a Rede para que ela possa negociar políticas públicas, discutir com diferentes agentes do Estado para potencializar essa produção”, continuou.


O clima era de retomada: mesmo que os grupos, em geral, não tenham interrompido a produção, momentos como o daquele sábado haviam acontecido muito raramente ao longo dos últimos dois anos, quando a pandemia de covid-19 impediu a realização de reuniões presenciais. Foram avaliados temas como as sequelas sociais da pandemia, para além das mais de 660 mil vidas perdidas para o coronavírus até aqui, a carestia, o avanço do latifúndio, o recrudescimento da pistolagem, o aumento dos índices de consumo de entorpecentes, a grilagem de terras, o envenenamento das águas e do solo, a perda de direitos, o avanço do armamento e dos índices de trabalho escravo.


“Esses dois anos de pandemia não foram fáceis. Foram dois anos de muitas dificuldades, até por que as pessoas não tinham como se envolver um com o outro. Para nós que trabalhamos na agricultura ficou muito difícil. A gente não podia se juntar para trabalhar, para desenvolver nossas atividades. Mas nós tivemos a graça de ter o projeto da IAF, com o projeto a gente foi se sustentando. A gente nem esperava que a pandemia fosse acontecer, mas a gente tinha alguma coisa em nossas roças, em nossos quintais. Mesmo assim a dificuldade aumentou: quem estava no interior tinha alguma coisa para comer, mas quem estava na periferia da cidade passou muita necessidade, muita gente com fome mesmo, sem roupa para vestir, sem casa para morar”, comentou a lavradora Maria Pereira de Sousa Filha Coelho, 53 anos, de Vargem Grande. Maria integra a Coopervag [a Cooperativa Agroextrativista dos Pequenos Produtores Rurais de Vargem Grande], que acessou um recurso de 10 mil reais para a compra de congeladores para o armazenamento de polpas de frutas e já reembolsou o valor, que, uma vez devolvido ao fundo, beneficia outros grupos e comunidades.


“A Rede Mandioca foi uma oportunidade única. Ela chegou para ampliar nossa comunidade. Nessa fase de pandemia a gente não parou a produção de farinha, através da casa de farinha que foi implantada na comunidade. A gente vende no povoado, no município e também já vendemos para o Pará, Goiás e Tocantins, a partir de nosso ingresso na Rede Mandioca. Isso já é uma visibilidade graças à ação da Rede. Antes a gente fazia cinco sacos [de 50 quilos] por dia, quando era manual, e hoje, com a casa de farinha, a gente passou a fazer 25 sacos por dia”, comenta o agricultor familiar Vando da Silva da Costa, de 28 anos, do Assentamento Alegre, no município de Riachão, sobre o crescimento da produção a partir do apoio e assessoria da Rede Mandioca.


“A Rede Mandioca, nesse período de pandemia, foi uma estratégia fundamental para que os grupos vinculados e apoiados por ela, através dessas iniciativas, atravessassem a pandemia em uma circunstância de maior segurança alimentar, com oportunidade de uma renda extra pela comercialização do excedente. Esse é o papel que a Rede Mandioca tem cumprido na vida desses agricultores, com essas estratégias que estamos criando de forma coletiva, com o fundo de crédito solidário, a pesquisa sobre o perfil socioeconômico, a distribuição gratuita de embalagens para melhorar a apresentação da produção para comercialização do excedente. A Rede Mandioca continua se ampliando, chegando a novas regiões, espalhando suas experiências, o que tem sido fundamental nesse momento quase pós-pandêmico, numa perspectiva de segurança alimentar, trabalho e renda, mas também nesse momento que o Maranhão atravessa tantos conflitos agrários. É fundamental definir e ressaltar a relevância desse papel da agricultura familiar, da permanência desses homens e dessas mulheres no campo, diante do avanço do agronegócio no Maranhão, dos conflitos agrários, assassinatos voltando com força, então a Rede Mandioca se apresenta como essa alternativa”, enumera Lena Machado, assessora da Cáritas Brasileira Regional Maranhão.



Comunidade do Assentamento Alegre, em Riachão, no mutirão do beneficiamento da mandioca na casa de farinha.

Os 26 grupos apoiados pelo Fundo de Crédito Rotativo Solidário acessam um crédito de entre três e 10 mil reais, e devolvem esse recurso ao fundo corrigido com um acréscimo de 4,5%, com carência de seis meses a um ano e meio, dependendo da atividade produtiva – um comitê gestor eleito entre os próprios membros dos grupos define as regras quanto a valores, prazos e carências. Tais regras, inclusive, foram atualizadas neste último encontro, em uma verdadeira lição de democracia, inclusão, participação e solidariedade.


Todos os grupos que acessam o fundo são filiados à Rede Mandioca, sendo signatários de sua carta de princípios, o que envolve produção de base agroecológica e fundada na economia popular solidária, além de formação, intercâmbios, feiras, venda direta, parcerias e projetos.


Atualmente a Rede Mandioca participou de um projeto nacional composto por 17 redes, com 28 grupos inscritos nesta iniciativa, que incluiu formações, intercâmbios, estudos de viabilidade econômica, logística e comunicação. Através do projeto Redes de Comercialização Solidária, executado pela Cáritas Nacional, foram disponibilizadas embalagens plásticas que favorecerão uma melhor apresentação na comercialização de produtos da agricultura familiar, como farinha de mandioca, mesocarpo de babaçu e polpas de frutas, entre outros.

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