( In memoriam)
Por Jean Marie Van Damme
No dia 02 de março de 2021, o grande líder camponês e negro do Maranhão nos deixou: Justo Evangelista Conceição. Sua história foi eternizada em livro, A Vida de um Lutador. Memórias e Experiências de Lutas, lançado no dia 11 de fevereiro deste ano. Justa memória, para esse homem forte, meigo, companheiro, solidário.
Justo viu a luz do sol pela primeira vez em Tingidor, aos 18 dias do mês de maio de 1935. Viveu e trabalhou muitos anos a uma légua de distância, no interior de Itapecuru, no povoado Alto de Pedra. Foi lá que o conheci, ele, seus pais, suas irmãs e irmãos, suas filhas Maria José, Leonice, Rosa e Nilde e seus filhos Raimundinho, Aldemir e Alderã. Silveria, sua esposa, a seu lado cuidando dele na surdina, sem muito aparecer. Mas ajudando sempre na lavoura de subsistência.
Foi o amigo e companheiro Justo que me mergulhou na realidade do interior maranhense. Padre verdinho, novinho em folha, sem saber de nada, me recebeu em Santa Rita na minha primeira viagem para o interior deste imenso estado maranhense.
Era um dia chuvoso em 1976. Já de noite, o cavalo, sem tropeçar, nos levou atravessando as quatro léguas após a travessia do rio Itapecuru de canoa. A visita às comunidades de Pedras, Alto de Pedra, Santo Antônio e Tingidor foi uma rica escola com o mestre Justo e suas irmãs e irmãos, todos animadoras e lideranças das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs e da Ação Católica Rural - ACR.
Animava a fé cristã, mostrava a realidade de opressão, de grilagem de terra, de exploração econômica que dominava a população herdeira das terras quilombolas
Justo era um grande líder. Andava por toda a região do Itapecuru e do Baixo Munim, visitando as comunidades e grupos de camponeses, de lavradores. Animava a fé cristã, mostrava a realidade de opressão, de grilagem de terra, de exploração econômica que dominava a população herdeira das terras quilombolas. Ainda não havia a consciência da descendência quilombola. Foi o próprio Justo que a descobriu, anos mais tarde, na década de 1980, quando os direitos das populações tradicionais, após anos de luta, foram conquistados na Constituição Federal.
Quando em 1977 foi realizado o que hoje chamamos de 3º Intereclesial das CEBs em João Pessoa, Justo, junto com seu compadre de Santa Rita, representava os animadores do Maranhão. Foi a primeira vez que havia lideranças leigas participando. Se tornariam maioria, como devia ser, a partir do 4º Intereclesial em Itaici. A delegação do Maranhão impressionou neste encontro, porque todas e todos os delegados/as tinham sido presos, detidos e perseguidos pela polícia da Ditadura Militar. Desta forma, o Maranhão foi escolhido para sediar o 5º Intereclesial. Ele foi realizado em Canindé, porque São Luís não contava, naquele tempo, com infraestrutura adequada para receber os 500 convidados. Ficou tarefa do Maranhão, preocupar-se com a condução do conteúdo e da dinâmica do Encontro. Justo foi um destes coordenadores. Diversas vezes nos deslocamos para o Ceará, para preparar o 5º Intereclesial.
Justo conheceu o seu mundo. Era líder e convidado muitas vezes a dar testemunho das suas lutas ou representar seus companheiros. Foi para Alemanha a convite do frei Godofredo, que acompanhava a ACR no estado. Foi para Recife, diversas vezes, para a representação do mesmo movimento cristão. Fundou a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão - Aconeruq, junto com outras lideranças quilombolas.
Justo conheceu o seu mundo. Era líder e convidado muitas vezes a dar testemunho das suas lutas ou representar seus companheiros
Durante várias gestões, Justo Evangelista foi ativo no Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras de Itapecuru-Mirim, como delegado sindical e como diretor. Sob sua influência, o Sindicato se fortaleceu e combateu a grilagem e a invasão de gado nas roças dos camponeses. Também se elegeu vereador na sua cidade, com mandato marcado pela luta pelos direitos das camadas sociais populares.
Nunca largou a luta, não se enriqueceu, nunca se vendeu. Até quando as forças lhe começaram a falhar por causa do câncer, que aos poucos ia lhe derrubando, ele empenhou-se na luta e na defesa de sua classe trabalhadora.
Justo vai fazer falta, para sua família, para seus amigos e amigas, para os defensores populares. Em nossa última conversa, em fevereiro de 2020, manteve seu espírito altivo, lúcido, preocupado com os rumos antipopulares que o nosso país estava tomando. Ele mesmo sendo perseguido e ameaçado na época da Ditadura, não via com bons olhos a evolução da atual conjuntura política. Seus filhos, suas filhas, seus netos e netas, seus amigos e companheiras de luta continuarão a sua luta. Justo Evangelista Conceição: presente em nós!
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